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Veneno da aranha armadeira tem efeito promissor em tratamento contra câncer cerebral e de mama, aponta estudo da Unicamp

Veneno de aranha armadeira pode ser uma das chaves para o tratamento contra o câncer O veneno de uma das aranhas mais perigosas do mundo, a armadeira (Phoneutr...

Veneno da aranha armadeira tem efeito promissor em tratamento contra câncer cerebral e de mama, aponta estudo da Unicamp
Veneno da aranha armadeira tem efeito promissor em tratamento contra câncer cerebral e de mama, aponta estudo da Unicamp (Foto: Reprodução)

Veneno de aranha armadeira pode ser uma das chaves para o tratamento contra o câncer O veneno de uma das aranhas mais perigosas do mundo, a armadeira (Phoneutria nigriventer), pode ser um aliado no tratamento de diferentes tipos de câncer — tanto em humanos quanto em animais. A descoberta é resultado de pesquisas lideradas por Catarina Raposo, pesquisadora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unicamp, que há anos estuda o uso de venenos de animais peçonhentos para a criação de medicamentos. ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Campinas no WhatsApp Nativa da América do Sul, a armadeira é conhecida por ser uma das aranhas mais perigosas do planeta. Seu nome científico Phoneutria deriva do grego e significa “assassina”. O veneno pode ser letal para crianças e causar dores abdominais, náuseas e convulsões em adultos. Foi justamente essa ação no sistema nervoso central que despertou o interesse da pesquisadora. Tratamento contra tumor cerebral À esquerda, barreira hematoencefálica sem tratamento com veneno; à direita, barreira sem tratamento. Os testes mostraram que o veneno da armadeira tem uma capacidade única: abrir temporariamente a barreira hematoencefálica, estrutura que protege o cérebro e impede que diversas substâncias atinjam os neurônios. “O que entra e o que sai do sistema nervoso central é muito controlado. E isso é uma limitação pra tratamentos, inclusive. Tem bons medicamentos que não acessam o sistema nervoso central, e por isso não chegam ao tumor”, explicou Catarina Raposo. No vídeo acima, é possível perceber que nas células tumorais cerebrais à esquerda, nas quais foi aplicado tratamento, há maior tempo de abertura e menor migração que a barreira sem tratamento (à direita). Essa é uma das dificuldades para quem faz tratamentos de gliomas (tipo de tumor que se origina nas células da glia). E é exatamente nessas células — mais especificamente nos astrócitos —, que o veneno consegue agir, abrindo a barreira hematoencefálica por cerca de 12 horas e controlando a "invasão" do tumor. Coleta do veneno Thomaz Rocha e Silva coleta veneno de aranha armadeira em laboratório Arquivo pessoal Para coletar o veneno de forma segura, Catarina contou com o apoio do biólogo Thomaz Rocha e Silva, pesquisador da Faculdade Israelita de Ciência em Saúde Albert Einsten. O procedimento, segundo ela, é seguro e pouco agressivo: a aranha é colocada em um suporte, anestesiada com gelo seco e estimulada com um leve choque elétrico, o suficiente para liberar o veneno — sem dor e sem causar ferimentos no animal. Todos os procedimentos são feitos com base em regras rígidas do Comitê de Ética e asseguram o bem-estar animal. Depois disso, o veneno é centrifugado, liofilizado (retira-se a água) e entregue em pó. Coleção de células Coleção de 60 tipos de células tumorais da FCF da Unicamp destinadas a pesquisa. Jéssica Stuque/g1 Para realizar os estudos, foram coletadas 14 amostras de células tumorais de pacientes do neurocirurgião João Luiz Vitorino Araujo, coordenador do Setor de Neurocirurgia Oncológica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Quem ficou responsável por essa etapa do estudo foi a biomédica Natália Barreto dos Santos, que ganhou o Prêmio Tese Destaque 2024/2025 da Unicamp. Como resultado, ela descobriu que o veneno respondia às diferentes amostras de gliomas, o que permitiu que os pesquisadores testassem a ação do veneno em outros tipos de tumor, como o câncer de mama. Além disso, as amostras coletadas puderam ser adicionadas à coleção de células tumorais existentes na Faculdade de Ciências Farmacêuticas e poderão ser utilizadas em demais pesquisas, envolvendo outros estudiosos. Ao todo, a FCF conta com uma coleção de 60 tipos diferentes de linhagens tumorais de humanos e animais, destinadas a pesquisas. Moléculas sintetizadas Após comprovar o efeito do veneno bruto, o grupo decidiu isolar as moléculas responsáveis pela ação. “O veneno é uma mistura de substâncias”, explica o biólogo e pesquisador Thomaz Rocha e Silva. “A gente abriu o veneno, separou os diferentes conjuntos e testou cada um até encontrar as moléculas que estavam atuando", explica. O trabalho levou à identificação de dois compostos principais, batizados de LW9 e LW11, que foram reproduzidos em laboratório com o mesmo efeito do veneno natural. Isso significa que não é mais preciso extrair veneno de aranhas, já que o princípio ativo pode ser sintetizado artificialmente. O resultado é positivo, pois facilita a produção de medicamentos no futuro, podendo ser aplicado em maior escala e sem necessidade de utilização de animais. Próximo passo: tratamento veterinário Os testes clínicos estão em andamento com camundongos e os resultados têm sido promissores. O próximo passo da pesquisa será testar o tratamento em cães com câncer, antes de avançar para os ensaios clínicos em humanos. “E, a partir desses resultados, queremos também desenvolver um medicamento veterinário, já que os cães têm uma incidência muito grande de câncer.” O sonho da pesquisadora é que, após a aprovação em todas as etapas dos testes, que o medicamento chegue ao SUS. “É difícil falar em cura do câncer, porque é uma doença muito complexa. Mas a gente tem que pensar no controle. Pode se tornar uma doença crônica, sempre com vigilância, e eu acredito que o nosso medicamento pode ajudar muito a controlar a progressão da doença”, relata Raposo. Mercado global O uso de veneno para a "cura" não é novidade. Há registros de usos nas culturas chinesa, indiana e dos povos originários. Mas o potencial de tais moléculas segue pouco explorado pela ciência. Segundo Raposo, apenas 3% dos medicamentos aprovados pelo Food and Drug Administration (reguladora dos Estados Unidos responsável pela proteção da saúde pública), têm origem animal. Além disso, apenas 0,01% das moléculas desses venenos foi explorada até agora. "A potência que os venenos têm para cura, para tratamento é muito grande. Os venenos são uma mistura muito potente de moléculas", explica a pesquisadora. Veneno isolado em pó (à esquerda); aranha armadeira (à direita) Jéssica Stuque/g1 e Palakorn Jaiman/Freepik VÍDEOS: tudo sobre Campinas e região Veja mais notícias da região no g1 Campinas